Baseado na história verídica de um objetor de consciência austríaco que se recusou a lutar pela Alemanha nazi no decorrer da Segunda Guerra Mundial, “A Hidden Life” é, na minha ótica, o melhor filme de Terrence Malick desde “The Tree of Life” (filme que venceu a Palme d’Or em 2011).
Lento e meditativo, “A Hidden Life” exige que o público mergulhe no estilo de Terrence Malik, que alguns consideram ser demasiado abstrato ou até enlouquecedor.
Depois de criar um modelo arrebatador com “Tree of Life” – baseado na improvisação, cheio de segredos sussurrados e fragmentos de conversa – Malick percorreu todo o caminho pela viela com “To the Wonder” e “Knight of Cups,”, com resultados cada vez mais frustrantes para quem quer mais do que imagens deslumbrantes e enigmas narrativos.
Em “A Hidden Life”, há uma tela preta, os sons da natureza – vento, água corrente – e uma narração suave: “I thought that we could build our nest high up in the trees,”, profere uma voz masculina. Surgem cenas de paisagens resplandecentes no alto dos Alpes austríacos e, em seguida, a hegemonia coral de “St. Matthew Passion”, que entre em cena para clarificar quem é o maestro da longa-metragem.
O enredo é conciso, sendo que gira em torno da história verídica de Franz Jägerstätter, um agricultor austríaco. Quando a Alemanha nazi anexou a Áustria em 1938, Jägerstätter apresentou-se para o serviço militar, mas recusou-se a prestar o juramento necessário a Adolf Hitler ou a lutar no que considerava ser uma guerra injusta.
Perante essa escolha, foi preso, condenado à morte e executado no verão de 1943; a sua sentença foi anulada por um tribunal de Berlim em 1997, tendo sido declarado mártir e beatificado pela Igreja Católica em 2007.
Mas estes desenvolvimentos posteriores não são abordados no filme, e Malick não usa atualizações de crédito final, mesmo em filmes baseados em eventos reais.
Em vez disso, “A Hidden Life” explora alguns anos da vida de Jägerstätter, desde 1938 até à sua morte. A primeira metade do filme incide na relação do personagem principal com a sua esposa Franziska, num estilo familiar para os aficionados de Malick: olhares íntimos, trechos de conversas, momentos divertidos e dobragens ocasionais.
Efetivamente, esta longa-metragem até pode fazer lembrar o tormento de Cristo e, embora Malick admire a coragem de Jägerstätter, acaba por não o beatificar.
Em vez disso, Franz é consumido pela culpa e pela incerteza, uma vez que está plenamente consciente daquilo que a sua escolha trará à família. Contudo, não obstante a sua postura de princípios seja louvável, ele é constantemente confrontado por aqueles que insistem e declamam que sua coragem não fará nada para alterar o decurso da guerra.
Como é habitual em Malick, os personagens comunicam frequentemente através da narração (neste caso, através de cartas extraídas de correspondência real), enquanto que todo o trabalho de fotografia trata de captar imagens sublimes de natureza imaculada ou indivíduos consumidos pela sua espiritualidade.
Porém, ao contrário de alguns dos filmes recentes de Malick, onde essas análises visuais e reflexões introspectivas parecem auto-indulgentes, aqui estão presas a um conto cheio de escuridão moral.
A segunda parte do filme é bastante mais sombria. Jägerstätter é preso, e a ação divide-se entre os seus dias na prisão e a luta da esposa para sobreviver numa vila que a ostraciza.
Por conseguinte, tudo se transforma numa crise prolongada de consciência, visto que muitos são os que pedem a Jägerstätter que faça o juramento de lealdade e aceite um emprego que não esteja relacionado com combate. O apelo é o mesmo: “quem é que estás a ajudar ao ficares nesta situação ?”
Para Jägerstätter, a resposta é clara: “estou a ajudar-me mim próprio, para conseguir viver comigo mesmo”. A sua posição nunca muda, e é nesta parte do filme que o ritmo discursivo de Malick pode ser cansativo. A obra torna-se mais dependente da narração, ao ser espelhada na leitura de cartas entre Jägerstätter e a esposa.
A banda sonora de James Newton Howard é ótima, embora, como sempre, para Malick, seja necessário fazer-se uso extensivo de música clássica, partindo de Bach, Beethoven e Handel a Henry Gorecki, Arvo Pärt e Alfred Schnittke.
Na condição de epopeia acerca da Segunda Guerra Mundial, “A Hidden Life” não tem a natureza visceral de “The Thin Red Line”, e o intuito não passava mesmo por aí.
Esta é uma história de amor, tragédia e meditação sobre fé e consciência – e é uma versão de Malick que está definitivamente mais próxima de “The New World” e “The Tree of Life”.
Frustrante por vezes, mas bonito com muito mais frequência, “A Hidden Life” é uma adição luminosa e substancial à filmografia deste cineasta.