É estranho. A atração pela política norte-americana pode dever-se, efetivamente, ao entretenimento propriamente dito. Isto não significa necessariamente que a mecânica do sistema seja mais justa ou mais adequada para as pessoas, só que existe o status de acumular mais drama à escala global. As eleições de 2000, foram, nessa linha, um autêntico filme!
As eleições presidenciais norte-americanas de 2000 foram uma autêntica loucura, com George W. Bush e Al Gore a travarem uma luta a ferro e fogo. Mesmo depois de Bush ter sido declarado vencedor, a luta para recontar os votos na Florida chegou até à Supreme Court, e só a 13 de dezembro de 2000 é que Gore admitiu oficialmente o resultado. Foi uma loucura.
Dezenas de milhões de americanos cresceram desde 2000 e, agora, puderam votar. A maioria é jovem demais para se lembrar daquelas eleições (eu inclusive), e, desta feita, ”537 Votes”, da HBO, não poderia apresentar um olhar mais oportuno e perspicaz sobre a confluência de eventos que levaram a um dos votos eleitorais mais infames da história americana.
Billy Corben (“Cocaine Cowboys”) aponta esforços para a história em torno de Miami-Dade County, o centro da contagem, e faz um trabalho brilhante a expor os factos, ao fornecer informações valiosas sobre a política do final do século 20 naquele local – e a adicionar alguns toques de humor negro.
Com “Everybody Dance Now” de C+C Music Factory e “I’m Too Sexy” de Right Said Fred a dar o tom, “537 Votes” leva-nos numa viagem no tempo até ao go-go dos anos 1990, a eleição de 2000 e aos contrastes gritantes entre Al Gore, um especialista em política, e o quase folclórico George W. Bush. Na reta final, ficaram praticamente empatados nas sondagens, e ficou claro que a Florida, e em particular a comunidade hispânica da Flórida no Miami-Dade County, poderia muito bem influenciar as eleições.
E é aqui que surge, em equação, Alex Penelas, o carismático presidente da câmara de Miami-Dade County.
Mas antes, convém contar a história de Elián González, um menino de 5 anos que foi encontrado nas águas de Miami no dia de Ação de Graças de 1999, e que sobreviveu a uma viagem proveniente de Cuba, enquanto que a mãe e outros entes queridos não sobreviveram. Com o pai biológico de Elián, em plena Cuba comunista, a exigir o regresso do seu filho, e os parentes em Miami a jurar lutar para manter o rapaz nos Estados Unidos, a batalha por Elián durou até o ano seguinte.
Elián era um miúdo inocente que sobreviveu a uma viagem de Cuba para a Florida – uma viagem na qual perdeu a mãe – e tornou-se um peão no jogo da política.
Mais tarde naquele ano, durante a segunda contagem dos votos, Penelas desapareceu literalmente dos olhos do público e, ao que parece, teve de negociar com os republicanos pela própria sobrevivência política, em vez de garantir que o processo de validação da votação ocorria sem problemas. Foi o fim de Alex Penelas.
O resultado surgiu quando Janet Reno deu luz verde para tirar Elian à força de casa em Miami, e mandá-lo de volta para o pai, em Cuba. Seguiram-se motins. O ressentimento hispânico sobre a forma como o governo Clinton-Gore lidou com o caso de Elián, levou a um “voto de vingança” considerável contra Gore.
O realizador Corben tece, de forma hábil, entrevistas com repórteres e agentes políticos, com imagens de notícias de arquivo e algum uso inteligente de gráficos, para narrar cada passo, incluindo o momento surreal quando “manifestantes” (que, na verdade, eram republicanos pagos) invadiram as próprias portas da sala da contagem de votos em Miami-Dade, a exigir o encerramento do processo. Foi encerrado.
O que teria acontecido se todos os votos tivessem sido contados em 2000? E se Al Gore tivesse vencido e não perdido por apenas 537 votos? Alguns dizem que o 11 de setembro não teria acontecido. Alguns dizem que teria havido 2 guerras a menos. Alguns dizem que estaríamos no melhor caminho para ajudar a deter as mudanças climáticas.
O facto é que nunca saberemos o que seria / poderia ter sido. O que é que ficamos a saber quando acabamos de ver “537 Votes”? Ficamos a saber que Billy Corben, juntamente com Alfred Spellman e David Cypkin, são mestres absolutos a contar uma história.