A 20ª edição da Festa do Cinema Francês está a decorrer de 3 a 13 de outubro em Lisboa com a exibição de filmes que contam, na sua maioria, com os realizadores dos mesmos. Se és fã de cinema francês, não percas esta oportunidade!
Le Poulain (2018)
Le Poulain, o filme de estreia de Mathieu Sapin, estreou na 20º Edição da Festa do Cinema Francês, em Lisboa, com a presença do realizador e de Finnegan Oldfield, o ator principal. O filme trata-se de uma comédia que se foca na comunicação da política, mais concretamente no período de campanha eleitoral para as presidenciais em França.
Arnaud (Finnegan Oldfield), o nosso protagonista, tem 25 anos, sabe 4 línguas e está à procura de um estágio, embora não tenha ainda nenhuma experiência profissional. Essa tentativa leva-o mais longe do que esperava, passando logo a fazer parte da equipa de campanha de candidatos à presidência da França. A sua função é, sobretudo de assistência à diretora de comunicação Agnès (Alexandra Lamy). O problema é que, sem experiência, o novato vai ter de circular neste novo mundo profissional aprendendo tudo do zero, o que provoca vários momentos hilariantes na tela.
O próprio ator confessou que não sabia nada de política ao fazer este papel e, na verdade, continua sem saber, Talvez por isso tenha também ficado realista. Para o ator o objetivo do filme não é mostrar que os políticos são pessoas reais e não de plástico, embora também o faça.
O filme é confuso na sua narrativa e não tem o tom mais adequado. Mistura realidade e ficção – há políticos reais a fazerem de políticos e jornalistas reais a fazerem de jornalistas – embora curiosa a opção, pode ser estranha, porque o filme procura criar comédia com o quão perdidos estes profissionais são, indo de um lado pro outro, tal como lhes mandam.
Segundo Sapin, o objetivo verdadeiro era o filme ser uma alegoria de como os adultos olham para os políticos e de como as crianças olham para os adultos. O filme quer mostrar que somos todos humanos, sem julgar. “O olhar é neutro para abrir uma reflexão”, explicou o realizador. Os políticos aparentam saber para onde vão, mas na verdade não é bem assim. No filme, temos um acesso aos bastidores. Vemos como tudo é trabalhado e treinado para que possa ser mediatizado a favor das figuras políticas.
A história parece ser linear, mas a verdade é que muito fica por ser respondido – há relações que ficam esquecidas e personagens que existem no argumento vá-se lá saber porquê.
A chave mestra do filme é a representação de Finnegan Oldfield e Alexandra Lamy. A química e os esforços de interpretação de ambos aumentam o interesse do público nesta história. Aliás, os momentos mais cómicos envolvem o protagonista sozinho ou com a sua diretora de comunicação.
Le Poulain é uma confusão a nível de argumento, mas sabe criar alguns momentos bons de comédia. A maior falha é mesmo o final que é super anti-climático em relação ao que até ali vinha a ser construído. Terminar com uma piada interna entre duas personagens mais que repetida ao longo do filme não me pareceu adequado.
Nota final: 5
Texto: Rafaela Teixeira
Maya (2018)
Desnecessário, sem sentido, publicitário e aborrecido são vários adjetivos que definem o filme Maya, de Mia Hansen-Løve. A antestreia decorreu na festa do cinema francês e eu fiquei realmente desiludida com este filme e vou explicar o porquê.
Acompanhamos a história de Gabriel (Roman Kolinka) supostamente um jornalista de guerra que regressa da Síria após ter sido feito refém. Para melhorar o seu estado de mente decide afastar-se de Paris e ir de férias para a Índia. Lá tem uma casa de família e conhece Maya (Aarshi Banerjee), a filha do seu padrinho e amigo de longa data. Com o tempo um romance entre o estrangeiro e a jovem indiana começa a surgir.
O filme está definido como um drama mas vira um romance, logo aí perdeu-se. Depois a história do início ao fim não tem sentido nenhum… Pensei que se fosse focar no jornalismo de guerra e que Maya fosse a grande estrela do filme – nada disso acontece. O filme devia chamar-se Gabriel.
A história não cola. O romance entre Gabriel e Maya (que tem idade para ser filha dele) não faz qualquer sentido e não leva o filme a ponto nenhum. O tom é sempre o mesmo. Só depois de mais de uma hora acontece algo que é resolvido com “2 meses depois”. Esse é outro dos problemas do filme. A mudança de plano para plano é muito abrupta e isso nota-se ainda mais quando significa um salto temporal.
Além disso, a própria cinematografia não cativa. Sim, é verdade que temos belos planos com paisagens e outros detalhes. O filme é bastante contemplativo, e isso torna-o aborrecido. Para terem uma ideia, o senhor ao meu lado adormeceu e de vez em quando levantava a cabeça, via que não estava a perder nada e dormia de novo.
Tudo o que se vê são as personagens de um lado pro outro, várias sequências iguais em locais diferentes. Parece que estamos a assistir a um vídeo promocional do turismo na Índia. Os diálogos também servem muito esse propósito. Não chegamos nunca a aprofundarmo-nos nas personagens.
Maya resume-se às férias de um suposto jornalista de guerra traumatizado que se passeia pela Índia e trata as mulheres como objetos. É um filme aborrecido, com opções técnicas que não o favorecem e um argumento sem sentido. A sessão terminou como começou – em silêncio, zero aplausos.
Nota final: 2
Texto: Rafaela Teixeira
Amour (2012)
O filme do austríaco Michael Haneke “Amour” não é nada romântico. Muito pelo contrário, é um filme frio carregado de sofrimento, que pode causar angústia com mistura de tédio. Mas que nos faz refletir sobre a dura realidade da velhice, da doença e se o amor realmente é forte o suficiente para enfrentar estas dificuldades.
O filme venceu a Palma de Ouro em Cannes em 2012, e conta a história de Georges e Anne, um casal de idosos que vive num belo apartamento em Paris, e apesar dos anos ainda continuam visivelmente apaixonados. O casal tem uma vida cultural ativa, ambos são músicos reformados, até que Anne sofre um acidente cardiovascular que a deixa o lado direito do seu corpo paralisado. E é a partir desde momento que o casal irá enfrentar o maior desafio das suas vidas.
Anne inicia um processo lento incapacidade física e mental que caminha para a demência, é completamente dependente da ajuda de terceiros e Georges começa a dedicar toda a sua vida a ajudar a esposa.
“Amour” retrata a velhice e a doença de uma forma realista e dura. A acção é passada quase na totalidade no apartamento do casal. É com tristeza que acompanhamos a evolução da doença de Anne, e vamos vendo cada vez mais o seu desejo de morrer. Por outro lado, acompanhamos também Georges nos cuidados com a sua esposa cada vez mais incapaz. E tudo é mostrado de uma forma seca, dura e fria. Georges dá banho, veste e despe a mulher, conduz a cadeira de rodas pela casa, e numa fase final muda-lhes as fraldas e dá-lhe comida.
É um argumento simples, mas vai-se tornando mais complexo em cada cena. As cenas são filmadas de forma lenta e por vezes cansativa, e apesar do forte trama é por vezes difícil sentirmos empatia pelos protagonistas devido à frieza com que o filme é dirigido e à falta de sentimento que existe em alguns acontecimentos, no entanto o filme não deixa de abordar a temática da velhice e da doença da forma mais sincera possível.
É de louvar a representação dos protagonistas. Jean-Louis Trintignant não atuava à 9 anos e representa Georges com muita verdade. E a falecida Emmanuelle Riva é incrível como Anne que lhe valeu a nomeação para o Óscar de melhor atriz.
O final do filme é trágico e cruel e está muito longe de ter um final feliz. E apesar de um filme arrastado e cansativo, é realista e traz-nos muita verdade.
Nota final: 7
Texto: Sandra Rodrigues
Le Daim (2019)
Le Daim, ou na tradução portuguesa, 100% Camurça, de Quentin Dupieux, estreou na Festa do Cinema Francês. Surreal, absurdo e divertido são os três adjetivos que se podem associar a esta longa-metragem.
Georges (Jean Dujardin), um homem obcecado por Camurça, deixa tudo e vira-se para o crime. Porquê? Para concretizar o sonho de ser o único homem com casaco no mundo.
A narrativa é bastante simples e flerta com o absurdo a que o ser humano é capaz de chegar. Com poucas personagens – o protagonista, uma rapariga de um bar que anseia por trabalhar com montagem cinematográfica, e um casaco. Leste bem, um casaco de camurça com franjinhas ganha tempo na tela. Não chega ao ponto de ter boca e falar, mas ouvimo-lo como se tivesse vida própria.
Divertimo-nos com a originalidade e brutalidade desta história. Nada é previsível e é isso que nos mantém interessados.
Jean Dujardin carrega todo o filme com as suas expressões de apatia. A sua personagem manipula. É um mentiroso compulsivo que só é capaz de sentir algo por tecidos de camurça.
Além de acompanharmos a loucura de Georges, a obra também trabalha muito bem a solidão da personagem. Um casaco, um livro e uma câmara são a companhia deste homem.
A falha da história está em não aprofundar as suas personagens. Desconhecemos qual a razão para Georges ser tão obcecado por Camurça e de que maneira isso afetou a sua vida no passado. Sabemos que ficou sozinho, mas seria interessante conhecer mais para sentir empatia por ele. Empatia essa que depois seria desconstruída, sendo o choque mais eficaz.
O final do filme vem repentinamente e surpreende. É tão ou mais aleatório que o próprio argumento e construção da personagem.
Dupieux inspira-se claramente em Tarantino. Sentimos isso, sobretudo, nas cenas mais violentas que são gravadas sem qualquer dó do espetador.
Conhecer a loucura e esquisitice de alguém é sempre uma experiência divertida e surpreendente. Foi engraçado acompanhar a trajetória de Georges, mas certamente será um filme que vou esquecer rapidamente.
Nota final: 5
Texto: Rafaela Teixeira
Hors Normes (2019)
Emocionante, relevante e bem-humorado. Em Hors normes, ou na tradução portuguesa Especiais, de Olivier Nakache e Éric Toledano, acompanhamos uma realidade negligenciada pela sociedade. Retrata especificamente o contexto francês, inspirando-se na história de um homem que fez de tudo para manter uma Associação de ajuda a pessoas autistas.
Acompanhamos Bruno (Vincent Cassel), um homem totalmente dedicado a ajudar os mais carenciados, em específico indivíduos diagnosticados com autismo grave. Na Associação que criou aceita todos, sem descrição. Trabalha em parceria com Malik (Reda Kateb) que tem objetivos semelhantes e se dedica a formar jovens que desistiram da escola.
Neste quadro, o que se pretende fazer é ajudar os excluídos da sociedade e dar-lhes novas oportunidades de vida. O trabalho de ambos é dificultado quando questões legais da Associação começam a ser investigadas.
A chave deste filme está no poder e relevância da história que conta. Assume claramente o lado da Associação e dos mais carenciados, mas sem qualquer romantização do tema. O elenco está também bastante competente.
O objetivo da longa não é fazer com que as pessoas tenham pena destas pessoas, mas sim que tenham consciência das dificuldades que estas enfrentam, à cabeça as próprias burocracias que são impostas a quem os quer ajudar. Nos hospitais deixa de haver espaço e a solução passa por medicar fortemente estes pacientes. Na Associação retratada não se desiste de ninguém e as evoluções são notórias em cada indivíduo.
A obra é preenchida com pequenos subenredos de vários personagens e até possui algum humor. Não ficamos cansados de acompanhar as várias histórias e fazemo-lo de modo imersivo. A própria cinematografia é cativante – temos um momento de dança belíssimo, onde a luz, a música e a dança trazem um tom poético à sequência. Este foi um dos momentos, onde o protagonista claramente se emociona e o espetador vai pelo mesmo caminho.
O filme é arrasador e toca realmente na consciência de quem o vê. No final, vemos as imagens das pessoas reais e temos acesso a algumas informações. Tudo o que vimos até ali ganha um novo impacto.
Este ano, Hors Normes foi o filme de Encerramento do Festival de Cannes e ganhou o Prémio do Público no San Sebastián International Film Festival. Se tiveres a oportunidade de ver este filme não o deixes passar.
Nota final: 9
Texto: Rafaela Teixeira